
caminho sem rumo
na longa picada em Angola
a atmosfera abrasadora
e o sol indignado
com o gelo da indiferença
colado nos meus cabelos
a areia gemendo crocante
sob os meus pés desgastando
quilómetros de duras solas
que agora pisam queimando
milhões de finíssimos grãos
deste chão
cor de sangue seco
os olhos de pó cobertos
penetrando a canícula
que a minha inconsciência
teima em ignorar
misturando o capim loiro
a vapores de cor ondulante
minha alma pairando
como um abutre saciado
em seu voo de recreio
e insensível e despegada
lá me vai acompanhando
num lânguido deixa-andar
um surdo roncar nos céus
cogumelo lento a cair
bocejando preguiçosamente
cem metros à minha frente
destapa-se o grande lenço
desabrocha um militar
reconheço na farda amiga
uma linda paraquedista
e encanto-me
o gelo nos meus cabelos
escorre-me pelos ombros
esfria-me o peito e as costas
já o solo me abrasa os pés
através do que sobrou
das solas das minhas botas
sacudo a poeira dos olhos
e distingo bem os tons
da figura camuflada
acena-me ternamente
e sonho uma vida nova
penso agarrá-la e beijá-la
agradecer-lhe a vontade
que recuperei em viver
relembro-me apaixonado
um passo mais longo dado
meu pé direito é picado
o esquerdo fixa-se
pisei mina
sei que não devo mover-me
ou explodirá inclemente
e serei retalhos
dispersos
de matéria
e aquela figura ali
imóvel
continua a sorrir distante
estendendo os braços
e os dedos
que sei nunca poder tocar
confundo-me
será gozo
ou poderá ser inimiga
se experiente na guerra
certamente entendeu
a armadilha em que caí
mas continua a alentar-me
será sádica
será estúpida
ou terá também
coitada
ficado petrificada
na longa picada em Angola
a atmosfera abrasadora
e o sol indignado
com o gelo da indiferença
colado nos meus cabelos
a areia gemendo crocante
sob os meus pés desgastando
quilómetros de duras solas
que agora pisam queimando
milhões de finíssimos grãos
deste chão
cor de sangue seco
os olhos de pó cobertos
penetrando a canícula
que a minha inconsciência
teima em ignorar
misturando o capim loiro
a vapores de cor ondulante
minha alma pairando
como um abutre saciado
em seu voo de recreio
e insensível e despegada
lá me vai acompanhando
num lânguido deixa-andar
um surdo roncar nos céus
cogumelo lento a cair
bocejando preguiçosamente
cem metros à minha frente
destapa-se o grande lenço
desabrocha um militar
reconheço na farda amiga
uma linda paraquedista
e encanto-me
o gelo nos meus cabelos
escorre-me pelos ombros
esfria-me o peito e as costas
já o solo me abrasa os pés
através do que sobrou
das solas das minhas botas
sacudo a poeira dos olhos
e distingo bem os tons
da figura camuflada
acena-me ternamente
e sonho uma vida nova
penso agarrá-la e beijá-la
agradecer-lhe a vontade
que recuperei em viver
relembro-me apaixonado
um passo mais longo dado
meu pé direito é picado
o esquerdo fixa-se
pisei mina
sei que não devo mover-me
ou explodirá inclemente
e serei retalhos
dispersos
de matéria
e aquela figura ali
imóvel
continua a sorrir distante
estendendo os braços
e os dedos
que sei nunca poder tocar
confundo-me
será gozo
ou poderá ser inimiga
se experiente na guerra
certamente entendeu
a armadilha em que caí
mas continua a alentar-me
será sádica
será estúpida
ou terá também
coitada
ficado petrificada

12 comentários:
Lindo !
Amei amigo,
Bjs prá ti
E quantas vezes o sonho se tornou relidade!!!
Beijo
Isabel
Estúpido será ver
O solo pisado ou imaginado no passado,
Com os olhos do passado,
E os ares do hoje, e será mal.
Estúpido também
Será indiferentar-se
Com os olhos de quem vê aquilo
Que em seu lugar veríamos igual.
Sabes que me toca especialmente como a ti o tema "Angola".
O poema está lindo e emocionaste-me muito.
Um beijo António
Querido Amigo,
tutti portiamo delle croci pesanti, ricordi che ci accompagnano in tutta la vita. Anche questa bella poesia mi trasmette la tua anima sensibile e molto-molto umana.
Bacini.
Kati
interessantíssimo blog!!!!!
(www.minha-gaveta.blogspot.com)
querido António,
Per capirti meglio ho letto qualche articolo sulla storia di Portogallo e sulla guerra coloniale. Mi pare incredibile che il vostro bellissimo, ma relativamente piccolo paese aveva cosi grande impero coloniale.Il popolo portoghese dev'essere molto ingegnoso intraprendente oltre ad avere un grande cuore.
Bacini:
Kati
Olá António
Neste poema há uma relação intensa minada pelo medo, muito antes de ser pesadelo. A direcção descendente acentuada é bem visível no aspecto gráfico do próprio poema e no movimento sugerido pelo pára-quedas. A mina é o objecto que (des)centra este poema dramático que se inicia numa alusão à luz e à paisagem de África.
Não se trata de "África Minha", mas de um poema muito carregado de emoções e de movimento sugerido em contraponto à paralisia.
Beijinhos:))
Isabel
Meu querido amigo António!
Que saudades tinha desta "casa"!
Muito obrigada pelos votos, também eu deixei passar o seu dia, de certeza, pois se bem me recordo, é "peixinho" e teve o "azar" de calhar em altura muito atribulada para mim como sabe...
Não vi referência a essa feliz data por aqui e embora disso me lembrasse muitas vezes, o tempo é padrasto e faz-nos passar por amigos desnaturados, injustamente...
Deixo um grande abraço, daqueles que pedem desculpa e dizem tudo :)))
Beijinhos!
Helena :D
Oi querido amigo!!
Que saudades já estava de vc!
Fiquei feliz com sua passagem pelo meu bloguinho!
bjs!
Divido o corpo deste poderosíssimo poema em das partes. Uma em que as palavras são tão densas que só podem advir de alguém que viveu no meio do medo e do sofrimento que qualquer guerra traz.
Uma segunda parte, uma segunda guerra: a do amor. Duas guerras com pontos comuns: as minas e os medos.Duas guerras, a física e a do coração. Ambas são armadilhas, não é António?
Será que me afastei do sentido do teu poema sonho:relação armadilhada? Desculpa se o fiz.
Beijinhos e bom fim de semana.
MV
Se quiseres, também poderás levar outro presente igual àquele que recebeste da Hungria mas no meu cantinho é "Made in Portugal".
AMANHÃ, explicarei uma outra maneira de festejar o 1º de Maio.
Beijinhos da
Verdinha
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