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"O GUARDADOR DE REBANHOS" ALBERTO CAEIRO


(...)Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.


(...)Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...


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HUMANA

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ANTÓNIO PAIS

A inocência de um escritor-menino...

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

UM NEGRO BUÉ DA FIXE

Texto publicado em Março de 2002, no extinto JORNAL DA CHAMUSCA

Não querendo meter a foice em seara alheia, ou seja, escrever sobre política, lembrei-me, contudo, duma frase que desde há muitos anos retive na memória: "A vida é um acto político!" Durante a campanha eleitoral para as Legislativas de 2002 ouvi com indignação, preocupação e tristeza apelos à discriminação racial...O texto que escolhi para a "Janela Aberta" deste mês faz parte dos meus últimos Contos da Guerra Colonial, situados obviamente já no período pós 25 de Abril de 1974.

Um Negro Bué da Fixe

Acto I (Único)

Aquela soalheira manhã de Abril do ano de 1990 iluminava e aquecia um cenário deslumbrante: uma magnífica vivenda situada numa das zonas residenciais mais ricas de Lisboa. Um rapaz acompanhado da sua irmã, ambos mulatos, encontravam-se ali parados com o olhar fixo e esbugalhado à beira do enorme e imponente portão verde com lanças douradas a apontarem para o céu tão azul, o qual se ia abrindo lenta e automaticamente pondo a descoberto, preparando-se para saírem, dois rapazes altos, louros e de olhos azuis, montados num motociclo de grande porte e alta cilindrada: uma Goldwing. Já em andamento iam apertando com destreza os capacetes de boa e reconhecida marca, complementando o reluzente vestuário preto de cabedal genuíno. Aqueles "meninos" detiveram repentinamente o motão antes de transporem para o exterior da sua fortaleza relvada com piscina ao fundo. O que segurava o guiador e que aparentava ser o de mais idade apressou-se a retirar o capacete que havia enfiado um minuto antes e dirigiu-se verbal e agressivamente para aquele casal de mulatos que não arredavam pé.
Menino rico: - Oh escarumas do caraças, andam aqui no gamanço? Vá, bazem daqui p'ra fora! Ou querem levar um balázio na mona? Fiz-me entender?
Mulato: - Calma, meu! Estás a precipitar-te! Podemos ser "blacks" mas somos pessoas bué da fixes e estamos aqui numa boa! Estávamos apenas a apreciar este espectáculo de vivenda, mano!
Menino rico: - Mano o diabo que te carregue!
Mulato: - Esta bacana aqui é minha irmã, meu! É a Laurinha! Só viemos aqui p'ra conhecer o palácio do senhor doutor juíz Junqueira. Esta mansão não é do doutor Junqueira?
Menino rico: - Limpa a merda da tua bocarra quando pronunciares o nome do meu pai, ok? Mas afinal que sabes tu acerca do meu velho? Qual é a tua, meu?
Entretanto, um indivíduo quarentão, impecavelmente "arreado" de fato e gravata e mala preta na mão esquerda entrou e sentou-se ao volante dum metalizado e potente Volvo. Ao aproximar-se do portão travou violentamente, saindo apressado da esplendorosa viatura e dirigindo-se para a frente da mota, como que tentando proteger as suas crias irrequietas e mal-educadas. Manifestava algum nervosismo e enquanto ia esticando os punhos da camisa e deixando vislumbrar os botões de prata artisticamente trabalhados foi-se aquietando, acabando por ficar estático...
Senhor doutor: - Filhos, o que é que se passa aqui? Qual o motivo da discussão?
Menino rico: - Ora, velhote, são estes blacks das barracas que encontrámos aqui ao portão, sabe-se lá com que intenções!...
Senhor doutor: - Meninos, por favor não molestem essas pobres criaturas!
O senhor doutor, entretanto, deu alguns passos decididos em direcção ao portão, parou repentinamente, fixou o rapaz mulato, inclinou a cabeça para a esquerda, franziu o sobrolho e com a ponta dos dedos da mão direita coçou demoradamente a cabeça.
Senhor doutor: - Diz-me, rapaz, tu por acaso és angolano? Caramba!... Ia jurar que...sim, a tua fisionomia não me é de todo estranha!
Menino rico: - Paizinho, não dês confiança a essa gente. Podem ser perigosos. Se calhar são alguém que já julgaste e condenaste...Cuidado! O melhor é chamar a bófia. Não vês que os atrevidos não desandam?
Senhor doutor: - Calma, calma, filho! Deixa isso comigo!
O rapaz mulato tirou calmamente do bolso do blusão um maço de cigarros e um isqueiro Zippo e, numa atitude premeditada de demonstração de delicadeza, pediu, com um gesto, autorização para fumar, ao que o seu interlocutor acenou positivamente. O rapaz soprou o fumo demoradamente para o alto enquanto o juíz, petrificado, foi deslizando o olhar ora para o mulato ora para a sua irmã.
Mulato: - O senhor doutor juíz Junqueira era alferes...Lembra-se de Sanza Pombo?...Recorda-se duma mulher negra muito linda chamada Laura?
Senhor doutor: - Tu, rapaz, és natural de Angola? De Sanza Pombo? Ai meu Deus, é isso...é isso...Mas afinal que sabes tu da Laura? Que sabes tu a meu respeito? Tu és parecido...pois...tão parecido! Meu Deus, não me digas que...
Mulata: - Força, João, acaba lá com esta treta! Vá lá, João Junqueira, diz a verdade ao senhor! Que tens tu a perder? Afinal, só o queres conhecer, não vens pedir népia ao ricalhaço!
Mulato: - Sim, foi-me dado o seu nome. A minha mãe Laura morreu de parto na sua segunda gestação: era uma menina. É esta aqui, a Laurinha! Eu fui o primeiro... Não quero nada seu, não!
Tenho noção da realidade e nunca sonhei "sujar" a piscina desses aí que quer queiram quer não são meus irmãos. Só quis conhecer, ao fim de muitos anos, aquele que me disseram ter sido o grande amor de Laura. Eu...eu afinal sou apenas um filho escuro daquela maldita guerra, não é, doutor?
O rapaz mulato agarrou firmemente no braço da irmã, puxando-a para si, enquanto que com a outra mão apanhou do chão, onde haviam permanecido encostados ao muro, dois capacetes muito usados e impressionantemente riscados. Dirigiram-se os dois para uma motorizada sem guarda-lamas: uma DT 50 que havia ficado a uns metros de distância, inclinada para o passeio e sustentada nele apenas com o pousa-pés direito. Enquanto se foram afastando, o rapaz mulato, com a base do capacete apoiada na testa, virou-se de repente para trás, apontou o dedo indicador direito ao menino rico e num tom de voz elevado e embargado, disse-lhe: - Lembra-te sempre, "betinho", preto não é ladrão, por vezes até pode mesmo ser irmão!!!
Aquela motorizada pegou de empurrão, o punho do acelerador foi bruscamente rodado até ao empanque, a "manete" da embraiagem largada repentinamente, dando origem a um brusco, barulhento e aterrador arranque, numa derrapagem em semi-círculo, seguido de um "cavalinho", a caminho dum qualquer bairro de renda social algures nos subúrbios da capital, outrora latifúndio suburbano e hoje depósito disperso dos filhos incógnitos daquela prolongada guerra...

3 comentários:

Rita Nobre disse...

Parabéns pelo Blog e Obrigado pelo comentário!

Bom Texto....
:)

Tentativas Poemáticas disse...

:)
Desculpe estar a maçá-la. Disseram-me que para fazer desaparecer o "baldinho do lixo" teria de postar, neste espaço, uma resposta ao seu tão gentil quanto agradável comentário.
Até sempre.
Abraço. Tó

ARTISTA MALDITO disse...

António olá
Já lhe disse em outras ocasiões que as histórias reais que tem a frontalidade de as contar devem ser publicadas. Só as avestruzes é que costumam enfiar a cabeça na areia. Ora que eu saiba, embora as ache muito engraçadas, as pobres coitadas nada sabem da maldade e hipocrisia humana. Se alguém há que goste de fazer o mesmo que as avestruzes é porque a consciência delas não está em paz. Ou então preferem continuar cegas porque lhes dá uma pretensa,ou puritana,
fachada de estabilidade,à qual se agarram, como náufragos a um pedaço podre de madeira. A podridão humana incomoda,mas ela existe e o racismo, por vezes está tão bem camuflado que sem dele terem plena consciência faz parte da omissão a que alguns se acoitam.
Não deve pedir licença para publicar o que a consciência lhe dita.
Beijinhos
Isabel

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