Acabou-se a magia! não passou tudo dum divertimento dum jogo de sedução . Sinto como adoras ser seduzida e sabes seduzir melhor do que ninguém: magistralmente! . Sempre me acharam um bom actor mas descobriste-me antes do tempo sempre todo o tempo . Sabes muito bem jogar e representas lindamente. Gostei da forma como jogas e adorei ver-te representar. . Ainda bem! Sinto-me tão bem! . Por nunca te ter enganado por nunca teres acreditado em todas as ilusões que eu assim a brincar a sério te ia ocultando . Levei-te ao trapézio e fiquei contente p' la tua inteligência por teres saltado comigo acrobacias de ternura e teres sabido segurar-te evitando assim cair naquela rede rasgada que p' ra nós estiquei na pista. . Durante o espectáculo ouvi imensos assobios só tu me aplaudias hipocritamente porque te divertias... . Acabou-se a magia. O maldito pano verde ocultou-te para mim. . Foi tudo magia? Foi tudo espectáculo? Foi tudo mentira? . Chegaste a pensar verdade a ilusão que criei? . Tonta! . Podes não gostar de mim a milionésima parte do que eu gosto de ti. Mas no fundo sinto que gostas um bocadinho o suficiente p' ra eu me matar por ti. . Apetece-me romper a rede toda atirar-me contigo de mãos dadas lá do alto do trapézio. Não! Não é justo! Estou a ser egoísta. . Tu mereces viver e ser muito feliz. . Vou começar a subir aquela escada de corda bem devagarinho olhando-te do alto cada vez mais alto vendo-te diminuir olhando-te mais pequenina . mais distraída... . Decidiste nesta altura ler os meus últimos poemas enquanto eu calmamente rompia toda aquela rede navegando sobre a pista... . Nunca te acreditaste pois não meu amor que eu fosse mesmo maluco para me matar por ti?
Portugal viveu muitos anos uma guerra com palco em locais longínquos. Milhares de ex-combatentes "passaram" a familiares, amigos ou colegas de trabalho o "contágio" por efeito dos traumas adquiridos. Ainda somos aos milhares, sim, aos milhares, nós, portugueses, a quem os sucessivos governos, após a chamada Revolução dos Cravos, têm vindo a ignorar. .
Hoje, com esta humilde publicação, quero homenagear uma mulher: psicóloga-clínica, que se tem dedicado ao estudo e ao acompanhamento dos desprezados ex-combatentes e suas famílias. Faço-o hoje, no dia do seu aniversário, aproveitando um pequeno trabalho que ela própria elaborou. .
Parabéns
Perturbação Secundária de Stresse Traumático (STSD) . As famílias ficam expostas à doença .
De uma forma geral a pessoa portadora de Perturbação de Stresse Pós-Traumático (PTSD) manifesta problemas interpessoais ao nível do casal, de intimidade e na comunicação. Muitas destas dificuldades também se verificam nas companheiras. Nos últimos 20 anos, temos assistido a numerosas investigações sobre diferentes tipos de trauma e suas consequências, não apenas para aqueles que experienciam o trauma mas também para os outros que foram indirectamente afectados como resultado de viverem, trabalharem, conhecerem ou possuírem relações próximas com o traumatizado. Os clínicos começaram a identificar sintomas idênticos à Perturbação de Stresse Pós-Traumático nas esposas de veteranos de guerra (Nelson e Wright, 1996; Maloney, 1988; Williams, 1980). Segundo estes o trauma e os seus sintomas afectam não só o indivíduo como todos aqueles com quem o traumatizado tem relações significativas. A Perturbação Secundária de Stresse Traumático (STSD) é a denominação aplicada ao conjunto de consequências do trauma nos filhos e nas esposas dos sujeitos com Perturbação de Stresse Pós-Traumático (PTSD). O que distingue o PTSD e o STSD é o facto de o stressor no primeiro caso ser directo, isto é, experienciado pelo próprio e no segundo caso, a pessoa lida diariamente com alguém com PTSD e fica exposta às suas reacções físicas e emocionais da vítima (Solomon, 1992). A ideia de transmissão de emoções traumáticas dum membro da família para outro teve origem no primeiro estudo realizado por Hill (1958) no qual designou de stresse familiar. O pressuposto subjacente à ideia de perturbação secundária de stresse traumático (STSD) é que existe um mecanismo de contágio do traumatizado para os elementos que com ele estabelecem relações significativas de forma a desenvolver sintomas idênticos. Para se desenvolver STSD não é necessário ter sofrido um trauma anterior.
. Trabalho destinado a informação elaborado pela psicóloga-clínica Dra Carla Santos .
(...) Creio no mundo como num malmequer, Porque o vejo. Mas não penso nele Porque pensar é não compreender... . O mundo não se fez para pensarmos nele (Pensar é estar doente dos olhos) Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo... ... Amar é a eterna inocência, E a única inocência é não pensar... . (Alberto Caeiro - "O Guardador de Rebanhos") .
A ALBERTO CAEIRO E À MINHA MUSA . na encosta da serra ela, num lapso, qual feiticeira em forma de malmequer desabrochou fulgurante olhou-o ternamente sorriu-lhe com doçura com as pétalas escreveu: "amo-te" . pobre guardador de rebanhos não resistiu a tocar-lhe! . recuou deslumbrado perante a aparição começou a arder dos olhos o fogo pegou-se à alma. afligiu-se o Sol e quis ajudá-lo deixando cair grandes lágrimas que apitavam estridentes escorregando pelo arco-íris . e todo aquele volume de lã até então pachorrento se agitou violento em crescentes novelos brancos rolando vertente abaixo . vi o pastor ser mordido asfixiado engolido pela raiva dum ciúme que eu senti compartilhar . o cajado rodopiou no ar partindo o arco-da-velha e veloz na sua queda roxo e trémulo de pavor caíu aos meus pés pedindo abrigo . agarrei-o com firmeza e bati desesperadamente no meu pesadelo com pressa em acordar...
Recebi este Desafio (Meme) da querida amiga Teresa Palmira HOFFBAUER (http://ematejoca-ematejoca.blogspot.com). . As 3 mentiras da Teresa são, na minha ideia, claro: . - Escrevi uma carta ridícula ao Baptista Bastos - Adoro guiar o meu Mercedes a toda a velocidade - Há 4 anos assaltei a Rathaus (Câmara Municipal de Düsseldorf) . Você diz 9 coisas aleatórias a seu respeito, não importando a relevância. Tendo de ser 6 verdades e 3 mentiras. Quem receber o Meme, deverá postar as 3 coisas que acha serem as mentiras do bloguista que lhe passou o Meme. . Aqui vão só verdades, verdadinhas, entre elas 3 inocentes mentirinhas: . 1 - Em pequeno representei em vários teatros lisboetas 2 - Já fui transexual 3 - Adoro alheiras de Mirandela 4 - Detesto Memes 5 - Sou um amigo fiel 6 - Nunca traí (nem sequer em pensamento) 7 - Estou enamorado por uma artista plástica 8 - Desflorei 35 mulheres 9 - Só me sinto bem a dormir . Repasso este Desafio/Meme a quem quiser e que digam muitas mentiras.
Inicio a pré-lavagem mental... Verifico as ligações analiso os circuitos coloco o detergente no vaso apropriado . Tudo a funcionar! . Posso passar à lavagem mental... . A máquina sacode-se imenso espuma por todos os lados (o meu espírito inquieta-se) os parafusos saltam dispersos (atingem-me as artérias... que latejam) . Rodo incessantemente no turbilhão do maldito tambor . Grito desesperadamente sei que ninguém me poderá ouvir . Meu Deus! . Quando é que esta coisa irá parar? .
Encontrava-meafrequentaroCiclonaEscola Preparatória Nuno Gonçalves,situadanaAvenida General Roçadas, em Lisboa. Tinha como disciplinas obrigatórias,entre outras:aReligiãoeMoral e a Mocidade Portuguesa:
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“Lávamos cantando e rindo
Levados levados sim...”
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e a Educação Musical.Oprofessordestaúltimaeraum músico conceituado, homem na faixa etária dos sessenta,oqualarrastava uma perna,ostentandoeapoiando-senasuaimagemdemarca:umavelhaelustrosabengalacomopunhoemprata.Simpático,divertido,sentava-seao órgão e dali dirigia com muito entusiasmo assuas aulas.Iniciava-ase encerrava-asobrigando-nosacantarumhinoquejásehaviatornadofamoso,eque serviu,durante alguns anos,como genérico a um programade rádio,noqualocorrespondente deguerradaEmissoraNacionalem Luanda, diariamente, nos davanotíciasdasactividadesbélicasnoterritórioangolano.Terminavaaquele jornalista ,invariavelmente, as suas crónicas de guerra :“- De Luanda falou Ferreira da Costa ! “
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O título e os versos reflectiam bem a estúpida e mórbida teimosia do ditador Salazar:
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Angola, é nossa...Angola, é nossa... Angola, é nossa...
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O povo heróico português
num esforço estóico outra vez
tens de lutar, vencer, esmagar a vil traição!
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P'ra triunfar valor te dá o teres razão
Angola é nossa - gritarei -
É carne, é sangue da nossa grei,
sem hesitar p'ra defender, é pelejar até vencer!
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Ao invasor castigar co'o destemor
ancestral, deter, destroçar!
Vencer, escorraçar!
E gritar: Angola é nossa
Angola é nossa
É nossa, é nossa
Angola é nossa!
Angola é Portugal!...
Aquele“s' tôr”deEducaçãoMusicaltinhaas suasrazõesparanosobrigara cantar,exigindoqueofizessemosdepé,naposiçãomilitaristadesentidoe com umaexpressão inequívoca devigor patriótico, o hino bélico no início e no fim das suas aulas.Era consequência do enorme orgulho e vaidade de haver sidoeleoautorda música que tornou célebre durante muitos anosaqueleaberrante hino fascista.Chamava-se : Euclides Ribeiro.
Kimbo equivale no dialecto luxaze àquela casota primitiva que nos é mais familiar também com o nome de cubata, as quais construídas em aglomerado constituem uma sanzala.
As suas paredes de argila convenientemente amassada e comprimida por dentro da estrutura em paus com mais ou menos quinze centímetros de diâmetro e ligados entre si por lianas entrelaçadas; a sua cobertura de capim penteado com as mãos, umas em forma cónica outras em quatro abas, conferiam àquelas “casas” uma isotermia natural e um conforto de “luxo” ajudando a enfrentar aquele clima tão agressivo.
A Companhia de Artilharia foi instalada junto a uma sanzala situada num ponto do mapa ao qual chamaram Cangombe, dispondo as suas tendas como se dum Parque de Campismo se tratasse. Aquelas tendas verdes, de tecto duplo, albergavam cada uma no seu interior doze militares. Um dos radiotelegrafistas, rapaz com jeito para o artesanato, invenções e ideias malucas pensou e concretizou construir um kimbo para lá instalar o Posto de Rádio. O sucesso foi tal que as tendas foram-se rapidamente enrolando e guardadas nos seus caixotes para darem lugar a uma nova “urbanização” : a dos kimbos.
Mas construir kimbos só foi possível e relativamente fácil em virtude de se encontrar a comandar a Companhia o capitão Ferrão, homem nascido na cidade invicta e amante da noite, dos copos, do jogo e das mulheres. Havia casado já em segundas ou terceiras núpcias com uma linda e bela senhora de Sá da Bandeira, onde possuíam casa de habitação mas encontravam-se muito raramente.
O capitão Ferrão cumpria a sua comissão de serviço fleumaticamente : de dia lia, dormia, comia e bebia e à noite jogava ao pocker, ao king ou mesmo ao monopólio com os outros oficiais, enquanto se enchiam cinzeiros e se despejavam garrafas de uísque, brande e conhaque...
Quando no Centro de Cripto era decifrada e transformada em linguagem clara a mensagem que indicava as coordenadas onde se encontrava um grupo inimigo que era necessário eliminar – estas informações partiam da PIDE-DGS - o Operador de Cripto, instintivamente, associava a operação que estava já iminente à ideia de emboscadas, minas traiçoeiramente enterradas acabando por despoletar, arrancando pés, pernas e provocando os mais diversos ferimentos, as evacuações de feridos e mortos numa correria sem tréguas para a pista improvisada onde pousavam frenéticos, ensurdecedores e sempre envoltos em muita poeira os helicópteros Allouette e Puma. Depois era o silêncio total, e por vezes a falta de coragem em atravessar sozinho, durante a noite, o acampamento. Porque a face do sofrimento dos camaradas feridos, ou sobretudo a daqueles que jamais sentiriam dor, passava como um filme diante dos nossos olhos, teimosamente, sem desligar...
O nosso capitão estava farto de tanto sofrimento. Assim, bom conhecedor do comportamento dos guerrilheiros e da imensa chana que ali nos subjugava, adoptou um sistema de combate que nos permitiu ir à casa de banho sem a arma em posição de fogo, ao rio buscar água sem granadas à cintura e sairmos logo pela manhã em Unimog, só regressando ao final do dia, sem sequer levar um rádio, à procura e na recolha dos materiais para a construção dos kimbos. Sempre que lhe era cometida uma missão na mata as coordenadas nunca estavam certas ou o tal grupo inimigo não havia sido encontrado. Porém, os seus homens permaneciam por lá o tempo considerado necessário à suposta intercepção dos “terroristas”, havendo o especial cuidado de deixar espalhados pela zona algumas rações de combate, maços de cigarros e sobretudo algo que lhes desse a entender quem éramos e qual a nossa intenção.
Eu também ajudei à construção do kimbo no qual passei a viver. Foi numa dessas aventuras que nos fizemos transportar num único Unimog Diesel (conhecido como Burro do Mato), com as suas quatro jantes apertadas do avesso às polies, dando-lhe um aspecto largueirão, muito competitivo, mas que de facto o tornava muito mais seguro. Dois pneus furados obrigaram-nos a permanecer a meio do caminho do acampamento e o local onde íamos recolher a argila. Ali ficámos até vermos nitidamente naquele outro céu, no firmamento do outro hemisfério, a brilhante constelação : Cruzeiro do Sul. E ainda ninguém, no acampamento distante, havia dado pela nossa falta. O meu amigo João, também lisboeta, radiotelegrafista, aturou-me até tarde, pois sempre tinha sido meu entendimento que o rádio deveria acompanhar-nos nestas deslocações, dado que uma avaria ou mesmo um acidente poderiam acontecer inesperadamente. E isso realmente confirmou-se. Daí a minha fúria descarregada no bom mas descuidado camarada João.
Naquela noite quente jogámos monopólio até às cinco horas enquanto fomos bebendo daquilo que havia : cerveja Nocal ou Cuca e Gin com gasosa. Os oficiais e sargentos tinham direito a umas tantas garrafas de bebidas finas por mês. Contudo, coleccionavam-nas para quando acabassem a comissão as trazerem para Portugal. Como não as poderiam trazer todas, procediam a uma selecção : bebiam ou vendiam umas tantas, guardando outras de uísque, conhaque e vodka e ofereciam – a maior parte das vezes vendiam – as de gin e brande aos cabos e soldados.
Despertei sobressaltado graças ao aparelho Racal instalado no Posto de Rádio que gritava em altos berros sons desordenados, entre os quais pareciam ouvir-se rajadas de armas automáticas, teimando um dos operadores de rádio em dizer haver escutado uma voz muito débil, que acreditava ser a do João, supostamente já gravemente ferido, e, de repente o som semelhante ao dum rebentamento de granada seguido daquele barulho do rádio com o potenciómetro no máximo mas tendo já perdido a sintonia com o outro distante. Dois camaradas acreditavam ter percebido naquela curta transmissão a palavra: “atacados”. Acto contínuo, passou-me pela mente a insistência com o João para que o rádio nos acompanhasse sempre; a minha intuição – nem só as mulheres a têm – a repetir-me que o João havia saltado do Unimog, conseguindo desesperadamente colocar a antena no rádio, acabando por ser visto e atingido pelos estilhaços duma “pinha” (granada); o perguntar a mim próprio a razão que levou o meu amigo a não me acordar para ir com eles... Pedi aos meus santinhos a máxima protecção para aqueles camaradas em tão grande aflição e não consegui pensar em mais nada que não fosse juntar-me aos camaradas oficiais, sargentos, furrieis, cabos e soldados, incluindo o cozinheiro, que parecendo formigas loucas se armavam para partirem de imediato, seguindo a picada até encontrar aqueles dois Unimogs que haviam saído há cerca de meia-hora do acampamento, desconhecendo-se, portanto, a sua localização exacta. Ninguém pensou nos perigos que se poderiam deparar pelo caminho. A revolta transbordava, ninguém manifestava o mínimo sinal de medo, muito pelo contrário, todos aqueles rapazes, na maioria oriundos do norte, gritavam descoordenadamente : - Bamos embora, carago ! Despachem-se, carago, bamos embora!
Um camarada radiotelegrafista agarrou-me na altura em que eu apertava atabalhoadamente as cartucheiras à cintura para seguir também, impedindo-me com a argumentação repetida de que já estavam a caminho os outros elementos das transmissões e no aquartelamento poderiam precisar dos meus serviços, o que de facto viria a acontecer mantendo o contacto permanente com o comando do batalhão no sentido de accionar os meios aéreos de evacuação. A meu lado estava o Carlos Gonçalves (o “Pica”) um caso raro de alguém que se pode e deve conservar como amigo, havendo as voltas da vida provocado incompreensivelmente o nosso desencontro. Os primeiros camaradas a saírem já haviam chegado ao local da emboscada e já começavam a dar notícias. Nestas ocasiões o António Pires não dizia ao Manuel Carlos : - Bravo Delta (bom-dia) Mike Charlie (Manuel Carlos) , aqui é Alfa Papa (António Pires) quem chama, escuto !
Não! Agora, contra todas as regras de segurança aprendidas, contra todas as normas superiormente estabelecidas estavamo-nos nas tintas e toda a linguagem era transmitida em claro, como se estivessemos a estabelecer uma chamada telefónica normal.
Os nossos camaradas haviam sido vítimas duma emboscada de fogo cruzado de baixo para cima, ou seja : o inimigo instalou, apoiadas no solo, metralhadoras de fita, dos dois lados da picada, havendo sido encontrados uns dez apoios do tipo fisga de cada lado, o que levou a crer que eram uns vinte elementos a disparar em simultâneo à passagem das duas viaturas transportando militares completamente desprevenidos. Aqueles que seguiam nas cabinas tombaram imediatamente; os que seguiam sentados lateralmente naqueles bancos de madeira aparafusados na caixa de carga dos Unimogs saltaram instintivamente para o solo, e, embora já gravemente feridos, rastejaram para um local tido por mais seguro enquanto foram respondendo ao fogo com fogo. Mas o inimigo estava, à partida, em vantagem. Todos os nossos rapazes se encontravam com o corpo furado e entretanto o inimigo também já havia lançado algumas granadas. O João também caíu ferido juntamente com outro camarada, o qual haveria de o ajudar a enroscar a antena do rádio. O inimigo apercebeu-se disso e apressou-se a lançar-lhes uma granada, o que obrigou a interromper de imediato a transmissão. Entretanto aqueles “turras” (terroristas) foram postos em debandada em consequência da atitude de um rapaz de estrutura forte mas duma ternura muito superior ao seu tamanho: o Arouca. Tinha a especialidade de atirador mas era incapaz de matar uma formiga. Levantou-se bruscamente daquele chão ensanguentado e, já em pé, com a G-3 pela altura da cintura, rodopiou sobre si próprio, sem cessar de disparar de rajada enquanto gritava como um Rambo : - Apareçam, mostrem a cara, filhos da puta ! Seus filhos da puta ! Seus filhos da puta ! E rodopiou, rodopiou, até voltar a atirar-se ao chão com o carregador vazio, pronto para o trocar e voltar a levantar-se e rodopiar, rodopiar... Não foi preciso, pois jamais se ouviu fogo inimigo e os nossos primeiros camaradas a partir do acampamento começavam a chegar. Depois houve choro sobre aquele indiscritível cenário... O meu amigo João despediu-se de mim apenas com o olhar antes de entrar no helicóptero que na pista já o aguardava. Tinha o peito impressionantemente esburacado e o maxilar inferior havia-se soltado.
Evacuação dos feridos para o Hospital Militar em Luanda
Todo aquele cenário de pesadelo : mortos, feridos, heroísmo donde menos se esperava, a solidariedade até para com os camaradas com quem particularmente não se simpatizava – mais uma vez o reflectir durante os dias seguintes – aliás lição para toda a vida – de que ninguém pode dizer que em determinada situação reagiria desta ou daquela maneira. A experiência na guerra mostra-nos essas facetas do ser humano. Conhecem-se calmeirões e bazófias que se urinam com medo e pequenotes e humildes que se destacam em bravura duma forma surpreendente...
O capitão Ferrão pensava até aquele momento que conhecia todos os homens sob o seu comando. Enganou-se. Ficou frustrado. Quedou-se triste. Sentiu-se traído.
O motivo daquela tragédia haveria de ser decifrado ao serem encontradas nas imediações do acampamento algumas cabeças de pretos dependuradas nas árvores. Encontrados foram também papéis pregados nos troncos fazendo ameaças de extermínio da população “turra” naquela região.
Eles estavam sedentos de guerra, geraram-na à revelia do Comando e de todos os outros militares e causaram danos irreparáveis nas duas partes :
Três homens conseguiram provocar tanta dor que o capitão sempre tentara, pondo em risco a sua carreira, a todo o custo evitar :
O furriel de Operações Especiais, o furriel de Transmissões e o cabo Enfermeiro haviam sido os responsáveis.
O meu amigo João, o ferido com mais gravidade, foi submetido a várias intervenções cirúrgicas e a operações plásticas, voltando a fazer, anos mais tarde, uma vida normal. Os outros viriam a ter o seu nome inscrito naquela lápide enorme plantada, anos mais tarde, na Praça do Império em Lisboa. E aquela era a última viagem ao mato na última recolha de capim para a última cobertura do último kimbo...
Espero não desiludir quem tem vindo a fazer o favor de visitar este blogue.
Acontece, porém, que o "tentativas poemáticas" grangeou mais visibilidade.
Os meus Contos da Guerra Colonial foram elaborados duma forma despretensiosa, numa escrita simples, acessível, porquanto destinados a uma população de leitores mais jovem, a quem nas Escolas, quer a nível secundário quer universitário, não entendem a nossa história recente. Como disse em comentário, e muito bem, a amiga Susana B. (blogue: Palavras que me tocam) estas histórias só poderão ser integralmente contadas e aceites daqui a 50/100 anos, dado estarem ainda vivos muitos dos seus intervenientes, podendo, eventualmente, ferir susceptibilidades.
A minha ideia não é a de ferir ninguém, muito pelo contrário. Nelas são relatados actos repugnantes, é certo, mas também de altruísmo, valentia e a reflectirem bem a mentalidade duma geração que vivia na ignorância, a quem foram feitas "lavagens cerebrais", convencendo-a assim a participar numa guerra absurda.
Hoje assistimos ao sofrimento de milhares de ex-combatentes e seus familiares. Tornou-se necessário minimizar-lhes esse sofrimento adquirido.
Importa dedicar-lhes toda a nossa atenção, compreensão e até conceder-lhes o nosso perdão por actos que praticaram obrigatória e inconscientemente, numa época em que não existia qualquer tipo de apoio psiquiátrico e psicológico especializado.
Hoje, aqui deixo publicada uma singela homenagem aos técnicos de saúde mental que têm vindo a ajudar os ex-combatentes e os seus familiares que com eles têm sofrido ao longo de tantos anos.
O meu reconhecimento ao excelente e dedicado corpo clínico da APOIAR-Associação de Apoio aos Ex-Combatentes Vítimas de Stresse de Guerra, nas pessoas do seu Director Clínico Sr. Dr. António Santinho Martins, à ilustre psiquiatra Sra. Dra. Lucília Bravo e aos esforçados psicólogos-clínicos Sra. Dra. Carla Santos, Sra. Dra. Susana Oliveira e Sr. Dr. Nuno Duarte, assim como à experiente Assistente Social Sra. Dra. Sofia Pires.
Após anos de dedicação à nossa causa, aproveito para manifestar o meu apreço e parabenizar a actualização científica permanente procurada pelos técnicos atrás referidos, salientando a recente defesa de mestrado nesta área por parte da psicóloga-clínica - a quem muito devo - Sra. Dra. Carla Santos e, mais recentemente, da Sra. Dra. Susana Oliveira. Bem-hajam!
. Recebi no passado dia 27 de Janeiro um Desafio (meme) lançado pela querida amiga MARTA VASIL (Lua Com Dona), http://luar1956.blogspot.com * Transformo este Desafio (meme) numa singela homenagem ao extraordinário blogue da MARTA VASIL, que aconselho vivamente a consultarem e a seguirem. * O livro escolhido foi: THE INVISIBLE MAN, de RALPH ELLISON, ao qual foi dado em português o título "O Homem Que Ninguém Via", publicado pela Portugália Editora em 1964. * O Desafio consistia em abrir o livro na página 161 e transcrever a linha 5: . "(...) Era uma má anedota. Mas, cos diabos, não podia ser anedota." . Li este livro quando tinha 12 anos de idade. Esteve encaixotado durante muitos anos e hoje o meu filho trouxe-mo. Vou agora relê-lo, embora com uma perspectiva bem diferente, após conhecer a tese de mestrado baseada nesta obra-prima e defendida brilhantemente pela nossa querida amiga MARIA ISABEL LASSUTA MONTEVERDE (ARTISTA MALDITO), intitulada: "A Esquadria da Invisibilidade em Ralph Ellison" e publicada no seu site: http://www.isabel-monteverde.com * O Homem Que Ninguém Via (porque era negro) foi um dos livros preferidos de William Faulkner, que para ele e para o autor reclamou a atenção de todo o mundo naquela época, considerando-o superior a qualquer outro escritor negro do seu país.